26/04/20
O virus do comércio pós-pandemia
Não, não vou falar do Moro. Moro é passado. Vou falar de futuro depois da pandemia. Na semana passada escrevi sobre como o mundo será diferente depois desta crise. Mas algumas mudanças já estão acontecendo, precipitando, de certa forma, o futuro.
As empresas mais espertas estão fazendo pesquisas, levantando dados, montando estudos para entender para onde o consumidor vai, o que mudou na rotina dele. A Unilever descobriu que, sem sair de casa para trabalhar, estudar ou se divertir, as pessoas fazem compras diferentes.
Elas passaram a lavar menos os cabelos e deixar a barba crescer. A venda de xampú, condicionador, espuma de barba, pós-barba, lâmina de barbear, creme hidratante e desodorante caíram bastante, mais de 25%. A necessidade de ficar em casa aumentou as de produtos de limpeza, como detergente, desinfetante, sapólio e alvejante.
Isso fez a Unilever reduzir a produção do primeiro grupo e se concentrar na do segundo. Ficar trancado também alavancou a venda de refeições em casa, boa parte delas feita por restaurantes e lanchonetes que foram obrigados a fechar, mas se adaptaram rápido para montar deliveries.
A falta de consumidores nas ruas levou o governador de São Paulo, João Agripino Dória, a propor mudar o Dia das Mães para agosto. É tão sem noção quanto mudar o Natal para março. A data é maior que comércio. As pessoas vão se reunir na casa das mães de qualquer jeito, com ou sem isolamento. E comprar o presente online.
Por falar nele, o comércio online, que já vinha crescendo em taxas muito superiores às do varejo de rua, inclusive durante a recessão criada pelo PT entre 2014 e 2016, explodiu e vai tomar grandes fatias do tradicional. Quem tiver loja de rua e não montar pelo menos um site informativo, tende a desaparecer nos próximos anos.
Os pequenos empresários enxergaram isso e correram para se adaptar, não usando um site de vendas, mas o WhatsApp, o Twitter e o Instagram para divulgar seus produtos e fechar as vendas, com PagSeguro ou PayPal como canal de pagamentos, soluções práticas e de adoção rápida.
Em Itabuna, por exemplo, O Boticário está vendendo pelo WhatsApp e entregando em casa no mesmo dia. A empresa, que está fechada, também é dona das farmácias Velanes, que estão abertas e são usadas para divulgar este esquema de venda pela rede social.
Desde 2000, há 20 anos, escrevo aconselhando os lojistas de Itabuna a manter um canal de vendas online. Não para vender para todo o Brasil, mas apenas para sua cidade, entregando em uma hora usando motoboys. A entrega no mesmo dia é a única variável em que o e-commerce não consegue bater o físico.
Precisou uma pandemia e uma quarentena para mostrar a eles que eu estava certo. E que perderam tempo. O comércio online é a única alternativa durante a quarentena e esta não será a última. Outras pandemias virão pela frente e mesmo esta pode precisar de novo fechamento, depois de alguns meses de comércio reaberto.
O Shoptime, que voce conhece pelos aparelhos interessantes, me surpreendeu ao anunciar a venda de produtos de supermercado. É uma mudança enorme do ponto de vista de logística e filosofia, mas se explica com a parceria que ele fez com pequenos negócios para vender os produtos através de seu site.
Este tipo de parceria já era visto nas lojas Americanas e Magazine Luiza, que deixam terceiros venderem através dos sites do grupo. Mas, a partir de hoje, deve se disseminar com muita rapidez. O grande ganha em diversidade e quantidade de produtos, o pequeno ganha um canal de vendas com milhões de clientes cadastrados.
As mudanças impostas pelo isolamento podem ser observadas em uma pesquisa do Sebrae, feita entre 13 e 16 de abril. Ela mostra que 49% dos empresários estão atendendo remotamente, sendo que 20% deles iniciaram esta opção durante a pandemia do novo coronavírus.
Porém, por enquanto, esta é uma estratégia de sobrevivência, não de aumento de faturamento. Somente 3% viram as vendas aumentar. 14% estão tendo o mesmo nível e 26% sofreram perda. Ou seja, estão apenas evitando que a situação seja ainda pior. É um paliativo.
O mais interessante são os dados que mostram o que precisa ser feito para que a venda remota melhore. Entre as maiores dificuldades relatadas pelos empresários na adoção do trabalho remoto, uma foi a falta de logística para entrega (43%), que pode ser resolvida em parte com motoboys.
Outras foram a falta de tecnologia adequada ao seu negócio (36%), o que abre um nicho para desenvolvedores; falta de produtos ou embalagens para entrega (19%), outro nicho, e de funcionários (16%). Ainda a falta de clientes (12%), que se resolve facilmente com propaganda, especialmente em rádio.
Também citaram a falta de espaço físico para a manutenção do estoque (9%), mas 71% deles dizem que, quando esta pandemia acabar, vão acrescentar de vez o atendimento online ao empreendimento. Em resumo, se o comércio online já vinha dando baile no tradicional, ele virou sua melhor chance e seu maior desafio.
Nos próximos anos os lojistas terão que encontrar o equilíbrio entre vendas físicas e online, o caminho para conquistar os clientes remotos sem perder os que visitam a loja. Não será fácil. Se o consumidor com banda larga já preferia comprar online, hoje são os que apenas tem internet pelo celular que adotam a prática.
O segredo está, novamente, na entrega no mesmo dia. Se o lojista montar um site ou canal de rede social para vender apenas para sua cidade, com entrega em uma hora usando motoboys, com divulgação em veículo de massa (o rádio aqui é imbatível) e um bom atendimento, seu negócio vai não só sobreviver, como crescer.
Posso garantir que o comércio pós-pandemia será outro.
Se voce ainda estará nele, depende do que fizer.
11/04/20
Um mundo pós-corona
As medidas adotadas para frear o coronavirus vão mudar o mundo inteiro.
Os EUA, por exemplo, já tem desemprego de país pobre, com 15 milhões a mais em três semanas e a taxa subindo para 14% ainda neste mês. Se antes ele impedia mexicanos de entrar, agora são os mexicanos que barram os americanos usando o muro que eles mesmo construíram.
Países da Europa que rejeitavam imigrantes, agora precisam deles com urgência.
Alguns dos mais ricos se viraram e continuam bem, como a Alemanha e a Suécia. Outros terão desemprego em massa, quebra de empresas e redução de sua importância para a economia mundial, como a Espanha, a Itália e a França.
Museus, todas as atrações turísticas, operadoras e negócios que giram em torno do turismo precisarão ser salvos, c0m muito dinheiro, pelos governos.
Pela primeira vez os chineses ficam proibidos de comer cães e gatos (tradição por lá), um lado bom da pandemia. O SUS virou exemplo de sistema para países ricos que não têm nada parecido, dando mais “moral” mundial ao país.
As pessoas passaram a valorizar quase tudo o que antes consideravam trivial, como passear na praça, bater papo com os amigos num café, levar a família numa pizzaria, abraçar, beijar e fazer compras.
Pela primeira vez a gente pode ver a diferença que nossa atividade humana faz no nível de poluição em cidades como São Paulo, que ficou limpa.
Na China, muitas cidades viram ao céu pela primeira vez na atual geração e na Índia, o Himalaia fico visível para cidades que não o viam por causa da poluição extrema.
Em grandes centros, pássaros voltaram a frequentar praças e parques como faziam no tempo de meus avós.
O egoísmo do Congresso, que anunciou cortes do próprio salário mas só usou isso como marketing oportunista, ficou ainda mais patente.
Quem defendia mais feriados, hoje se arrepende. Quem desprezava o seu emprego porque não era o do sonhos, também.
Os adolescentes que sempre estudaram de cara amarrada hoje estão vendo a falta que a escola faz.
O futebol nacional talvez finalmente adote o calendário do resto do mundo por falta de opção, o que seria ótimo.
As aulas online ganharam impulso e podem melhorar os cursos presenciais como um novo tipo de reforço.
O tempo extra fez com que a gente descobrisse novos e maravilhosos youtubers, de comediantes e professores a donos de tutoriais bacanas.
Eu mesmo aprendi a usar o editor de vídeos Shotcut em boas aulas online.
Mais países só terão o Brasil como alternativa para comprar alimentos, bombando nossas exportações.
São Paulo, a “cidade que não para”, finalmente parou para respirar um pouco.
Quando morava lá, gostava de ficar na cidade nos feriadões, quando as ruas e avenidas estavam vazias e me sentia dono de tudo. Hoje, é feriadão todo dia...
A pesquisa centífica ganhou importância e deve conseguir mais recursos e espaço nos governos.
As pessoas redescobriram o hábito de andar para ir a lugares próximos, sem ônibus ou táxi circulando.
Lavar as mãos é outro bom hábito valorizado na crise, assim como deixar os sapatos na entrada ao vir da rua.
Neste ponto o Japão já levava vantagem. Deixar os sapatos na entrada é costume antigo e etiqueta obrigatória para as visitas.
A diferença entre a imprensa séria, focada na crise de saúde e de economia com o coronavirus, e a especulativa, agarrada a futricas políticas (como Globo, Folha e UOL) ficou ainda mais patente.
O rádio explodiu e mostrou mais uma vez que é o veículo mais próximo das pessoas e o mais influente. Na crise, também é o de melhor custo/benefício para empresas de todos os tipos.
Muita gente descobriu que pode trabalhar em casa, outras confirmaram que não conseguem. Enfim...
O mundo depois da crise do corona será outro. Melhor.
07/04/20
Perder 0,003% do salário te incomoda?
Números são exatos, mas também são relativos. Dois mais dois será sempre 4, mas 4 é praticamente nada comparado a 4 milhões. Essa introdução foi para abordar a maneira como autoridades e mídia usam os números para que as pessoas façam o que eles acham necessário fazer.
Um número que foi comentado incessantemente como "um marco importante" na pandemia do coronavirus é o de um milhão de casos. Nossa! Um milhão! Para mim, não é absolutamente nada dentro do universo de 6 bilhóes de pessoas habitando o planeta. Significa que 5.999.000.000 de pessoas passaram longe do virus.
Ou, falando como os portugueses, 5.999 milhões não foram afetados.
A mídia adora números porque eles jogam a percepção das pessoas para onde ela quer. Todo mundo falou no um milhão, que é a soma de todos os casos no mundo desde o início da pandemia. Ninguém esclareceu que este não é o número de casos atuais, em andamento. O número era 780 mil na sexta 3 à tarde. O resto já foi encerrado.
Outro dado que ninguém na mídia, na OMS nem nos governos revela para a população assustada é o de que, dos 780 mil casos em andamento, 743 mil não tem sintoma algum ou tem sintomas leves, como um resfriado. Do "um milhão" de casos, apenas 38 mil pessoas estão com sintomas graves ou internadas, 5% dos casos ativos.
Mas "um milhão" impressiona mais.
Vamos pegar o dado mais assustador de todos, o das mortes na Itália. Na sexta eram 14.681. O número é triste, chocante, porque uma morte já é morte demais. Porém precisa ser colocado em perspectiva. 15 mil pessoas, já arredondando, são apenas 0,03% da população da Itália, que é de 60 milhões. Repetindo, 0,03%.
Dezenas de doenças já mataram muito mais gente na Itália e no mundo neste ano. O número de casos no Brasil, que na sexta era de pouco mais de 8 mil, precisa ser visto em detalhe. Destes casos, 7.759 estavam em andamento, sendo apenas 296 com sintomas graves ou internação. Esse total de casos é 0,004% da nossa população.
Estávamos, na sexta, com 343 mortes pelas complicações do coronavirus, praticamente todas de pessoas que já tinham outras doenças, eram muito idosas ou sofriam com imunidade baixa. Digamos que todos os 296 casos de pessoas com sintomas graves resultem em morte. Isso elevaria o total para 639 ou... 0,0003% da população.
Já morreu neste ano mais gente em acidentes em casa, de carro, de ônibus, de doenças diversas do que de coronavirus. Não me interprete errado. Não estou dizendo que a gente deve ignorar a epidemia, nem que devemos deixar de lado os cuidados como lavar as mãos, manter distância das pessoas, evitar aglomerações.
Mas é preciso colocar o perigo do coronavirus em perspectiva. Hoje ele afeta 8 mil pessoas no Brasil. Digamos que este número exploda e chegue a 100 mil, dos quais, pela estatística levantada pelo Ministério da Saúde, 3,5% vão morrer. Serão 3.500 mortes, um cenário improvável e, mesmo assim, com menos óbitos que a maioria das doenças.
É muito menos do que as que morrerão em consequência das medidas tomadas para evitar o coronavirus, como fechar todas as empresas, relegando a maior parte da população a viver quase sem dinheiro e confinadas, passando a desenvolver doenças físicas e mentais decorrentes da quarentena, do corte de luz e água, de ficar incomunicável porque cortaram telefone e internet (sim, as operadoras continuam cortando).
Por isso, pense antes de criticar o presidente Jair Bolsonaro por pregar um relaxamento na quarentena. Ele não é favorável a simplesmente reabrir tudo. O que ele defende, e eu também, é uma quarentena racional, é deixar em casa quem precisa, quem é do grupo de risco, não a população toda.
A abertura do comércio é um exemplo. Quantas vezes voce viu alguma loja de Itabuna lotada?
Não me lembro de ver mais que duas ou três pessoas comprando ao mesmo tempo. O fechamento deste comércio não faz sentido nem faz diferença no combate às aglomerações. Escolas, shows, coqueteis, congressos, feiras, comícios, exposições e eventos em geral sim, geram uma aglomeração de pessoas e devem continuar proibidos.
No caso dos shoppings, a maioria das pessoas está circulando nos corredores, afastadas umas das outras, e dentro das lojas o cenário é igual ao do comércio de rua, com poucas pessoas simultaneamente comprando. Se voce olhar a praça de alimentação, vai perceber que as mesas já são afastadas o suficiente para evitar contágio.
O shopping é, inclusive, o local ideal para medir a temperatura de todos, na porta, facilitando a detecção de casos de infecção para colocar a pessoa em isolamento. Bares, restaurantes, lojas de suco e açaí, sorveterias, pizzarias, etc, poderiam ser liberadas com restrições como só manter metade das mesas.
Os bancos poderiam atender também com restrições, evitando a paralisação da economia. Hoje, tem gente com dinheiro no banco sem poder comprar comida, porque os caixas eletrônicos já estão vazios. A abertura das lotéricas aliviou um pouco o fechamento dos bancos, mas gerou mais filas, ou seja, aglomeração de pessoas. Reabrir os bancos diminuiria isso.
Eu sei que voce não queria ler nada disso, que rejeita o que escrevi porque está com um medo incutido em voce pela maneira como a OMS e a mídia tratam o problema. Mas fiz questão de escrever, porque alguém tem que analisar a epidemia friamente, a partir dos dados, dos números, e não da fantasia em torno deles.
O sistema se defende atacando qualquer pessoa que destoe do discurso padrão, definido pela OMS, e não é fácil revelar uma opinião diferente quando a manada tem um pensamento único. Basta ver os ataques contra o presidente e as pesquisas (apesar de confiar pouco nelas). Mas alguém precisava colocar isso em perspectiva.
Desculpe se te incomodei. A intenção é boa.
02/04/20
A geração imune ao mimimi
Do seu jeito, o presidente Jair Bolsonaro tocou num ponto interessante, a capacidade do brasileiro pobre em não pegar doenças que outros pegariam em ambientes insalubres. Por exemplo, pisa em esgoto na rua todo dia mas não morre disso. Para mim é clara a relação entre se expor e ganhar imunidade.
Minha geração jogava bola na lama e brincava na chuva toda hora. No fim de uma partida não existiam brancos nem negros, todo mundo era marrom, dos cabelos aos pés descalços. Escorregar nas poças era tão parte da diversão quanto fazer um gol e chegar em casa como "monstrinho de lama"... não tinha preço.
Minha galera só lavava as mãos quando a sujeira incomodava e comia com a mão suja na rua. Era uma geração que andava descalça na terra, que comia fruta tirada do pé sem lavar, que chegava em casa com a roupa imunda. Imagine uma mãe atual vendo tudo isso... "Meu Deus, Enzo, voce vai ficar doente!". Enzo? Pois é, até os nomes são frescos.
Com toda a sujeira e a lama, a imunidade de minha geração é melhor que a da nova, cheia de "mimimi". Criança de hoje pega gripe ou pneumonia se ficar um minuto na chuva, sofre todo tipo de doença se brincar na lama ou andar descalça na terra, e tem alergia a tudo. O corpo não tem defesa porque nunca teve contato com a natureza crua.
Veja o caso das vacinas, por exemplo. Elas fazem o corpo "conhecer" um determinado virus e aprender como resistir a ele quando encontrar no futuro. Quem já pegou o coronavirus, por exemplo, fica imune a ele para o resto da vida. O corpo já sabe o que ele é e o que precisa fazer para se livrar da ameaça.
Talvez os médicos devam receitar aos pais dar mais liberdade aos filhos para se expor à natureza. Recomendar pelo menos um baba debaixo de chuva por mês, um banho de lama a cada 15 dias, brincar na terra todo fim de semana, rolar na grama, abraçar bichos, se expor.
A vida cercada de cuidados tem deixado as novas gerações mais fracas, mais doentes e mais amedrontadas. Minha geração andava de bicicleta e moto sem capacete, não sabia o que era cinto de segurança, viajava no banco da frente - ajoelhado para poder ver melhor pela janela. Tomava banho de mangueira no quintal.
A gente se ralava toda hora, se furava em prego e aguentava o antigo Merthiolate, que ardia como o inferno. Quem nunca quebrava um braço ou uma perna era introvertido e não saía para brincar. Ninguém tinha medo de subir em árvore ou muro. Eu adorava subir no telhado lá de casa, para desespero de minha mãe.
A gente nadava em rio, pulava na piscina do trampolim mais alto do Grapiuna Tenis Clube, subia em caixa d'água. A gente chamava o colega de rolha de poço, jockey de barata, torrão, branco azedo, zarolho, gaso. Ninguém achava que era bullying, ninguém cresceu atormentado por isso. Simplesmente respondia de volta...
A gente descia a ladeira em carrinho de roleimã para se estabacar no fim da ladeira. Atirava mamona com estilingue uns nos outros. Doía, mas ninguém morreu disso nem foi parar na delegacia por "agressão". A gente fazia piada com japonês, bicha, negro, português, fanho, cotó e todo mundo sabia que não era opinião, mas apenas piada.
Todo mundo brincava de cauboi, guerra, polícia e bandido, e não conheço ninguém que tenha virado um adulto violento por causa disso. A gente se pendurava de ponta-cabeça, subia em árvores, apanhava de chinelo ou de cinta. A bunda, as pernas, os braços ficavam com marcas vermelhas e ninguém cresceu complexado por causa disso. Hoje...
Rico ou pobre, tanto fazia, tudo virava brinquedo. Vela de carro era canhão, embalagem de Q-Boa virava barco, submarino e tanque de guerra. Lata de óleo se transformava em carro, pedaço de madeira era pistola ou espingarda, galho se tornava uma espada mortal. Hoje, se não usar pilha, não serve.
Sou de uma geração que comia e bebia coisas sem saber o que tinha dentro, apenas que era gostoso: Grapete, Ki-suco, pirulito Zorro, Dadinho, Groselha Milani; chicletes Mini, Ping Pong e Ploc; suco de feira, quebra-queixo, picolé feito com água suspeita, um troço que chamavam de "bala de atum" mas era de banana.
Bebia refrigerante por um buraco feito na tampinha com um prego, "fumava" cigarro de chocolate Pan, quase morri engolindo bala Soft, bebi Crush, curti balas azedinhas (vinham numa lata oval), mandiopã frito no óleo, chiclete azedinho-doce Adams... Ninguém nunca questionou se tinha colesterol, carboidrato ou açúcar demais.
Eu nunca peguei uma gripe e minha última doença foi caxumba, aos 8 anos. Tudo bem, pode ser sorte ou genética, mas a maioria dos meus amigos da época também goza de uma saúde excelente. Não pode ser coincidência.
O coronavirus tem atingido mais o pessoal de 30 a 39 anos e matado mais os que estão acima de 65 anos. No meio sobra minha geração, de 50 a 60 anos, que teve a felicidade de curtir uma infância livre. De regras, de patrulhamento, de cuidados excessivos, de frescura. Talvez a gente passe a pandemia vendo o virus só pela janela.
Às mães, um conselho: mais lama, menos mimimi.