24/07/20
Um virus bem mais difícil de matar
Eu sei que voce ainda acredita que prefeitos e governadores estão preocupados com a saúde da população neste momento de pandemia, mas eu não tenho mais esta ilusão. O que começou como uma emergência séria virou uma oportunidade única para desvios e enriquecimento.
Quanto mais demora a pandemia, mais verbas federais são enviadas a prefeitos e governadores para ser usadas sem licitação nem controle. Obras não precisam ser iniciadas ou continuadas, serviços podem ficar precários desde que a Saúde seja mantida e a fiscalização desaparece.
Não me surpreendi com a descoberta de prefeitos registrando como "por coronavirus" mortes de pessoas que tiveram infarto, AVC e até câncer. Um grande número de óbitos por Covid-19 garante um valor muito maior de recursos para controlar a epidemia na cidade. Sem casos, sem grana extra.
Na minha cidade, Itabuna, o prefeito sentou em cima dos R$ 68 milhões que recebeu neste ano apenas para o combate ao coronavirus. Todos esperavam que ele gastasse tudo rapidamente, em compras superfaturadas e com gordas comissões para ele e sua família. É o retrospecto do sujeito.
Ao invés disso, não gastou em nada, preferindo deixar a população indefesa diante do virus. O dinheiro daria para construir 3 hospitais, com sobra. Mas ele não comprou nenhum respirador, não instalou nenhuma UTI, não contratou nenhum médico, não abasteceu a rede com remédios nem insumos.
Há a desconfiança de que não gastou nada porque não encontrou uma maneira de desviar sua fatia. Talvez perceba que a Polícia Federal está caçando, duramente, os secretários, prefeitos e governadores que desviaram o dinheiro que deveria salvar vidas. Vários já estáo na cadeia ou respondendo a impechment.
Porém a PF terá um trabalho ainda maior a partir de agora. Preocupado com a saúde da população, o Governo Federal emitiu uma MP em março, aprovada hoje pelo Senado, para agilizar as compras de materiais e os gastos de prefeitos e governadores para o combate ao coronavirus. A intenção foi a melhor possível, mas...
Como observou o ministro da CGU, a corrupção na saúde já corria solta muito antes da pandemia. É endêmica. A regra dos gestores públicos no Brasil é roubar para si e os amigos. A exceção é sair da prefeitura ou do governo morando na mesma casa, com o mesmo patrimônio.
Então, apesar das boas intenções, a MP tratou bandidos como gente honesta e o resultado é previsível. Com ela, a compra de equipamentos, medicamentos, contratação de bens e serviços podem ser feitos sem licitação. A exigência é que seja feita "em situação de emergência, com risco à segurança de pessoas".
Não é preciso ser vidente para saber que toda compra a partir da MP é "em situação de emergência, com risco à segurança de pessoas". A MP também libera a contratação de empresa que não está em dia com impostos nem regular em caso de "restrição de fornecedores". Ou seja, sempre haverá restrição de fornecedores.
Os contratos terão duração de até seis meses, podendo ser prorrogados por períodos sucessivos "enquanto a emergência de saúde pública durar, com acréscimo de até 50% do valor inicial". Esqueça o "até", ele será sempre aplicado e pelo valor máximo.
As cidades vão esticar a emergência ao máximo, mantendo pelo menos uns 10 casos ativos mesmo que o virus seja erradicado no país. Se não houver casos, cria-se... Esta pandemia mudou o mundo para sempre, sem volta. Mudou a economia, as relações de trabalho, o lazer, a cultura, o esporte, o ensino, a saúde, tudo.
O que eu espero é que também mude a impunidade histórica do Brasil e que milhares de prefeitos e governadores passem uma temporada na cadeia pelas fraudes que vêm fazendo com as verbas, bilionárias, que o Governo Federal repassa para combater o virus.
Acabar com o coronavirus será mais fácil que erradicar o virus da corrupção nacional.