« 01/21 | Main | 09/20 »

24/10/20

Um crime quase impune

Em 2006, contei na Carta ao Leitor como um dos crimes mais bárbaros do sul da Bahia poderia ter passado incólume, sem ser notado por ninguém. Começava assim:

No final de semana passado recebi ligação sobre um jovem que, depois de espancado por Marcos Gomes e seus amigos na Fazenda Redenção, sumiu. Sem saber se era real, passei o caso ao delegado Nelis Araújo, que então começou a investigar a denúncia.

É claro que sabemos mais do que noticiamos aqui, mas é preciso preservar investigações que ainda estão em curso. A Região tem entre seus princípios o de que nenhum "furo" é mais importante que ajudar no trabalho da polícia, por isso esperamos o fim de toda a investigação para noticiar.

Porém, testemunhas nos disseram que viram o filho do prefeito Gomes dar uma surra no jovem, que estava amarrado. Logo depois ele sumiu e seu corpo ainda não foi encontrado. Mas será. Durante a semana ligações nervosas cruzaram a região, políticos entraram no circuito...

Um movimento que mostra o tamanho da bronca que Nelis enfrenta. Neste sábado, publicamos o que não comprometia o trabalho da polícia, porém A Tarde noticiou outros detalhes, que tínhamos desde a terça e preservávamos a pedido da polícia.

Como o jornal de Salvador publicou, também o fazemos aqui na edição online. Porém as muitas outras informações que temos e que ainda não foram divulgadas continuarão preservadas por A Região até que a polícia as libere ou um jornal publique.

Acompanhamos a investigação e confiamos no delegado Nélis Araujo e sua equipe. Mas, se o delegado sucumbir às várias pressões, não tenha dúvida.

Vamos revelar tudo o que nós já apuramos e sabemos. Este foi o primeiro texto sobre o caso, mas vale detalhar um pouco o que foi resumido naquela época.

Quando Nélis começou a investigar, nós, eu e a jornalista Neandra Pina, iniciamos nossa própria apuração dos fatos. Ao longo de um mês, Nélis fez um trabalho fantástico, digno dos melhores detetives do cinema.

Ele descobriu que existia um esquema, envolvendo uma delegada de outra cidade, que encerraria o caso como morte de um indigente.

Nélis percebeu, apurou e descobriu o corpo enterrado ao lado da rodovia entre Floresta Azul e Itapetinga. Descobriu a Saveiro que transportou o corpo e quem ajudou a enterrar.

A burrice de Marcos foi amarrar o vaqueiro com arreios que tinham a marca do Haras Redenção, onde foi torturado, preso por dois dias, e morto. Uma prova irrefutável.

Intimado a depor, Marcos Gomes, valente contra alguém que estava amarrado, desabou na frente dos delegados Nélis, Evy Paternostro e Marlos Macêdo, diante das provas. Tremeu, gaguejou, quase passou mal. Saiu de lá escoltado por seguranças, ao lado do advogado Carlos Burgos, sem falar com a imprensa.

Na exumação do corpo, o azar estava contra Marcos de novo, porque o vaqueiro, que tinha sido espancado até ficar irreconhecível, usava a pulseira dada pela irmã, que desabou ao reconhecer o irmão na massa de carne e sangue.

Mais de 30 testemunhas confirmaram o que foi apurado. Uma cena bizarra aconteceu quando os delegados foram cumprir um mandado de busca na casa de Marcos Gomes.

Ele achou que ia ser preso naquele momento, pulou o muro de trás da mansão e saiu correndo pelo mato.

O caso só foi adiante, sob pressão política dos amigos do então prefeito Fernando, graças à integridade dos delegados e o destemor da juíza de Ibicaraí, Ana Cláudia de Jesus Souza, que emitiu os mandatos.

Na mansão, mais duas surpresas. A polícia encontrou uma carteira falsa de policial, assinada pelo então secretário de Segurança Pública Afrísio Vieira Lima, pai de Geddel.

A outra foi a descoberta de outro crime, furto de água ("gato") de grandes proporções. Com tudo isso, ninguém tinha esperança de ver o homicida preso, pela facilidade em ser "invisível" para a polícia.

Até esta terça-feira.

Posted by at 4:17 PM
Categories:

13/10/20

Um sonho possível, mas improvável

Batendo papo por email com meu amigo Jáder Tavares, de Salvador, ele lembrou a cabeça pequena que eu sempre critiquei em Itabuna. Mesmo na época de ouro do cacau, quando dava para forrar as ruas com dólares, a cidade pensou pequeno e se manteve provinciana.

Jáder listou algumas providências que, para nós, são óbvias, mas já desisti de acreditar que um dia sejam realidade. Itabuna vai sempre eleger alguém de cabeça pequena (a de cima). Por exemplo, cadê as propostas para a cultura do cacau? Nenhuma. Até parece que não plantamos a base do chocolate, desejo mundial.

Nunca exploramos a rica história de coroneis e desbravadores, como fez Jorge Amado em seus livros. Não temos um Museu do Cacau, uma vila-cenário com personagens vividos por atores (como na Torre de Londres), um festival anual de gastronomia e lazer, um circuito de visitação de fazendas, eventos esportivos temáticos, nada.

"Cadê a proposta de recuperação e pavimentação em concreto das estradas do cacau?" pergunta Jáder. Sério? Os prefeitos sequer passam uma máquina nas estradas vicinais e o governo do estado abandonou a que foi feita para contornar a barragem de Itapé.

Quem produz ou mora na área muitas vezes fica ilhado, seu poder vender a produção em Itabuna ou até chegar na cidade. Pavimentar as estradas vicinais com concreto é mais barato que o asfalto e tem uma durabilidade muito maior. Daria rapidez e mobilidade para quem mora no campo, atrairia produtores e projetos turísticos.

"Cadê a proposta de instalação de torres para telefonia celular e para internet?" Taí uma coisa que poderia revolucionar campo e cidade ao mesmo tempo. Garantir internet e telefonia de qualidade na área rural poderia levar muita gente a mudar para lá.

Já existia a vontade de muitos, que aumentou exponencialmente depois da pandemia. Hoje todo mundo reavalia seus conceitos de moradia, de trabalho e de compras, com tendência de fazer muito mais online, morando em um lugar mais agradável e tranquilo.

"Cadê o endereçamento postal de cada estrada do cacau e das fazendas da área rural?" continua Jáder. É mais uma medida que incentivaria uma migração da cidade para a zona rural. Junte com internet, telefone, estradas pavimentadas e algumas outras medidas e voce teria um verdadeiro êxodo, desinchando as cidades.

Imagine que a zona rural tivesse tudo isso, mais linhas regulares de ônibus, entrega regular de encomendas, energia elétrica estável, rede de água e esgoto. Fatalmente atrairia lojas, escolas e equipamentos de lazer de qualidade, como uma mistura de shopping com hotel fazenda.

Não é difícil imaginar um condomínio só de casas, com terrenos grandes, muita área verde e... cercadas por roças de cacau em plena produção, dentro do mesmo projeto, com laboratório para desenvolver chocolates, cafés com degustação, hortas provendo alimentos orgânicos para os condôminos.

Milhões de pessoas ficariam interessadas em morar no campo se ele tivesse o melhor da civilização sem os problemas decorrentes dela. Atelies de moda, de arquitetura, de arte, poderiam funcionar bem nesse ambiente, como acontece em Embu das Artes, próxima a São Paulo.

Uma migração para o campo teria um excelente efeito colateral, o de desinchar cidades que hoje estão travadas, como Itabuna, onde o trânsito parece o de uma capital, no mau sentido. A cidade geraria menos lixo, ficaria mais limpa, mais agradável, segura e tranquila.

Mesmo sabendo que nada disso vai acontecer, sonhar é de graça e eu precisava pelo menos mostrar a voce que uma alternativa é possível. Antes eram Jáder e eu. Agora somos três sonhando...

Posted by at 11:52 PM
Categories:

03/10/20

Em professor não se bate

Um levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) me deixou triste e revoltado. Ele diz que o Brasil lidera as agressões a professores em escolas. Fico triste porque o professor é a pessoa mais importante em nossas vidas, depois de nossos pais.

Cabe a ele uma parte importante de nossa formação, não apenas escolar, mas para a vida. Cada professor que tive foi responsável por um pedaço de meu caráter e personalidade, de minhas qualidades. A vida foi responsável pelos defeitos...

Faço um parêntese para avisar que quando escrevo "professor" o faço para facilitar a comunicação. Voce é inteligente o suficiente para saber que me refiro tanto a homens quanto a mulheres. Eu jamais usaria a expressão imbecil "professox", coisa da pistolagem virtual do politicamente idiota que tomou conta de parte da imprensa.

Voltando ao assunto, acho inaceitável que o Brasil conviva com marginais nas escolas, pessoas que agridem alguém que dedica sua vida a ensinar, transmitir sabedoria, formar caráter. E não me refiro só a alunos, porque hoje em dia pais mal formados também se tornaram parte do problema.

Ao invés de educar e de repreender o filho rebelde, violento, arrogante, machista ou mau caráter, esses pais e mães vão à escola agredir professores que deram uma nota ruim ou chamaram a atenção da cria mimada. Pior, é um círculo vicioso, de pais defeituosos formando filhos defeituosos que serão pais defeituosos.

O levantamento da OCDE traz dados concretos. Dos mais de 100 mil professores no Brasil, 12,5% afirmaram ser vítimas de agressões verbais e intimidação de alunos. Em São Paulo, a GloboNews apurou que as agressões contra os professores cresceram 73% em 2018.

Já uma pesquisa feita pelo Sindicato dos Professores de São Paulo aponta que mais da metade dos docentes da rede estadual já sofreu agressões, sendo as mais comuns a verbal (44%), discriminação (9%), bullying (8%), furto ou roubo (6%) e agressão física (5%).

Por favor, não imagine que os casos acontecem só em escolas públicas de bairros pobres. Não, a arrogância de muitos pais de classe média e ricos é igual. Porque pagam uma mensalidade, alguns acham que os professores são empregados e seus filhos, intocáveis. Levar uma nota baixa é inaceitável.

Eles incentivam o filho a se impor sobre os professores, a questionar qualquer ordem que não seja de seu agrado. Daí a violência quando eles percebem que só xingar não afetou o professor. É a frustração de quem não tem argumentos, de quem está errado mas não aceita "perder" uma discussão.

Mesmo se não houver agressão física, aquelas verbais causam todo tipo de danos psicológicos nos professores.

A Secretaria de Educação de São Paulo deu 3.055 licenças por doenças relacionadas ao estresse e à depressão em 2019. No Rio de Janeiro, a cada três horas um profesor recebe uma licença por estresse.

A Universidade de São Paulo (USP) elaborou uma cartilha sobre violência escolar onde lista alguns dos principais problemas de saúde sofridos pelos professores.

Começa com sintomas psicossomáticos, como dor de cabeça, tontura, náusea, diarreia, enurese, sudorese, taquicardia, dores musculares, alterações no sono. Segue por um estresse que aumenta a disposição para doenças.

Também diminui a resistência imunológica. A lista inclui ansiedade, medo, raiva, irritabilidade, inquietação, cansaço, insegurança, tristeza, isolamento, impotência, baixa autoestima, rejeição, angústia, depressão e, o mais perigoso, pensamentos suicidas.

A cartilha destaca ainda o prejuízo para os professores na socialização, aumentando o isolamento social, gerando uma insegurança que pode afetar sua confiança nas outras pessoas, a capacidade de se expressar em público, de resolver conflitos e de tomar decisões.

Tudo isso porque alguns pais não educam seus filhos.

Está na hora de mudar as leis para criminalizar os pais omissos pelos excessos dos filhos. Professor merece flores e respeito. O agressor, cadeia.

Posted by at 3:38 PM
Categories: