Marcel Leal

Sim, eu falo da morte

Ninguém gosta de falar na morte mas, em tempos com tanto acúmulo de fatalidades, como Brumadinho, tempestades no Rio e outras cidades, incêndio no CT do Flamengo, o assunto é válido. As teorias sobre a morte são extremamente varidadas.

Uns acreditam que as mortes são aleatórias, outros que cada um já nasce com a data da morte marcada. O pessoal do candomblé considera que, em anos de limpeza espiritual de um lugar, muitas são necessárias para que isto aconteça.

A falta de nexo é o que me impressiona. Se é limpeza espiritual, por que pessoas boas morreram? Se é para punição, a pergunta é a mesma. Se é aleatório, por que pessoas morrem por estar extamente no lugar errado na hora errada? Se era a hora daquela pessoa, por que outros foram com ela (num acidente, por exemplo)?

Nunca me preocupei em responder nenhuma destas dúvidas, nem me interesso em saber por que morremos. Para mim, a morte é apenas mais um fato da vida, a única certeza que alguém pode ter. Desde o momento em que nascemos, vamos na direção da morte e não existe nada que possa ser feito sobre isso.

Também não sabemos até onde vamos caminhar. Uns morrem ainda bebês, outros passam de 100 anos. No meio deles estamos nós, a maioria. Justamente por não saber quanto tempo temos por aqui, o importante é como gastamos nosso tempo nesta vida.

Sim, nesta, porque realmente acredito que temos várias. Só isso explica as amizades e amores instantâneos, com pessoas que parecem ter convivido conosco a vida inteira, mesmo acabando de conhecê-las. Só pode ser porque conviveram em uma vida passada. A primeira vez que vi Sandra, por exemplo, sabia que casaria com ela.

Aquela sensação de "deja vu", quando voce chega em uma cidade pela primeira vez mas tem a sensação de que a conhece intimamente, como se já tivesse morado ali, é outro indício. Provavelmente morou, em outra vida. Mas, voltando ao assunto, o importante é como gastamos o tempo que temos.

Muita gente busca a felicidade, mas abre mão de momentos felizes por coisas que são menos importantes, como status social, fama, opinião dos outros, dinheiro. Calma, não sou daqueles para os quais "dinheiro não traz felicidade". Dinheiro traz e muita, desde que bem usado.

Usar para ostentar, comer a porcaria do caviar só porque é chique, usar uma roupa desconfortável só porque é de grife, fazer farra só porque é o que esperam de voce e outras atitudes de novo rico é usar muito mal o dinheiro e sacrificar sua felicidade.

Dinheiro é bom para voce usar as roupas que te deixam confortável, ainda que sejam velhas ou simples; comer o que gosta mesmo que seja feijão preto com jábá; fazer só o que gosta, quando quiser, com quem quiser, como quiser, sem se importar com que os outros pensam.

Isso é desperdiçar o tempo que tem nesta vida para agradar pessoas que te julgam pelo "ter", não pelo "ser". Um exemplo de bom uso é o de Bill Gates. Bilionário, usa jeans e camiseta, um óculos cafona mas que é o seu preferido, tem uma vida simples e é feliz ajudando projetos sociais. Um mal exemplo, qualquer famoso recluso.

Um milionário famoso que não pode ver um por do sol na praia, ir a um cinema, vadiar num shopping, passear num parque, tomar um cafezinho na padaria, não é um milionário. É um prisioneiro da imagem social e do dinheiro. Trocou felicidade por fama.

Outras pessoas acham que nunca serão felizes porque não têm dinheiro suficiente. Estas também não sabem aproveitar o tempo que têm nesta vida. Um dos grandes exemplos que tive foi o do meu tio Tinho, que nunca deixou de se divertir mesmo com o baixo salário de professor que recebia.

Usar bem o tempo de vida é fazer o que te deixa contente e a maioria não tem custo. Bater papo com os amigos, por exemplo, falar das futricas da escola com seus filhos, andar na beira da praia com sua paixão, assistir um bom filme, ler um livro bacana, viajar, jogar videogame, comer pizza.

Não importa o que seja, as coisas que te fazem feliz precisam ter prioridade na sua vida. Trabalhar é preciso, mas trabalhar no que voce gosta, ganhando menos do que em outro emprego não tão agradável, vale muito mais. Fiz isso na prática, ficando na Propeg, em São Paulo, apesar de ofertas para trabalhar em outras agências.

Ganhava mal e ganharia bem mais nos outros lugares, mas gostava de trabalhar na Propeg, me sentia em uma família. Ter um salário melhor num lugar onde o trabalho seria apenas... trabalho pode melhorar seu bolso, mas diminui seus momentos felizes.

Também a ideia de trabalhar insanamente, sem tempo livre para voce e sem folgas para, no futuro, "aproveitar a vida" é burra, como jogar roleta russa. Como voce pode "aproveitar a vida depois" se não sabe quanto tempo tem? Vai trabalhar como um burro de carga mas pode morrer aos 35, 40, 50 anos sem aproveitar nada.

Toda vez em que pensar que "tem" que ir a um evento, "tem" que fazer alguma coisa, "tem" que usar alguma coisa, "tem" que falar alguma coisa, pense um pouco se isso te faz feliz. Se não, dê um jeito de "não ter que".

PS: Na foto, Zeca Harfush e o escritor João Ubaldo, em Itaparica, mostrando como se aproveita bem o tempo de vida. A foto é de Beto Benjamim.