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09/08/19

De jangadeiros e vida

Uma palavra que sempre me vem à cabeça nestes tempos difíceis, depois de 4 anos de uma recessão brutal, a maior da nossa história, é "resiliente". Para a psicologia, ser resiliente é conseguir dar a volta por cima, lidando e superando adversidades e transformando experiências negativas em aprendizado.

Para o dicionário, é a capacidade de o indivíduo lidar com problemas, adaptar-se a mudanças, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas (choque, estresse, algum tipo de evento traumático) sem entrar em surto psicológico, emocional ou físico.

Mas o conceito de resiliente que sempre me vem à cabeça é o da primeira vez em que a palavra chamou minha atenção. Foi em um vídeo antigo sobre os jangadeiros de Alagoas. O documentário narrava que eles saíam de manhã cedo sem saber se conseguiriam pescar alguma coisa ou mesmo voltar para casa.

"O jangadeiro é, antes de tudo, resiliente", dizia a narradora com forte sotaque nordestino. A voz, a imagem da jangada em alto mar e o conceito ficaram gravados na minha mente. Eu já era resiliente em minha postura, mas não entendia que era. Soube ali.

Outra palavra que me vem à mente neste período em que as piores consequências da recessão desaguaram, apesar de já estarmos em uma tragetória de recuperação, é "estóico". Significa resignação diante de alguma situação trágica ou um grande sofrimento.

A diferença entre elas é que o estóico muitas vezes se acomoda e fica onde está, enquanto o resiliente aceita a realidade, a enfrenta com calma, mas busca saídas. Estas duas palavras resumem o que precisamos hoje, com ênfase na resiliência, em não perder a calma, a harmonia, a paz pessoal.

Pelo menos é assim que eu enfrento o que tem sido os anos mais difícieis de minha vida, não pela falta de dinheiro e queda da qualidade de vida em si, mas pelos problemas sociais que isto causa e pelo medo de fracassar em dar conforto a minha esposa e filha.

Eu não tenho direito de reclamar, porque minha vida inteira, antes de 2015, foi um festival de sorte, sucesso, realização e felicidade. Estes anos difíceis são apenas 6,7% da minha vida. Por isto vou passando com estoicismo e resiliência, sem deixar que eles afetem meus prazeres, meu sono, meu humor.

Não desconto os problemas em ninguém, não fico me lamentando, não perco o sono, não deixo de curtir música, filmes, livros, games. Não me isolo. Não perco o sorriso. Não deixo de fazer piadas. Não perco a vontade de fazer nada. Me adapto às perdas e procuro caminhos. Aceito as restrições enquanto busco soluções.

Sem resiliência, a pessoa não consegue passar por um período como este. Eu sei que a economia, meu negócio, meu rendimento, minha vida, vão melhorar. Sei que as dificuldades ficarão para trás. Por isso tenho paciência, mantenho a calma.

Sou resiliente e atravesso as dificuldades como um jangadeiro que sai para pescar. A diferença é que eu sei que mais à frente pegarei muitos peixes e voltarei para casa. Mas a resiliência não é só nordestina. Quando morei em Londres fiquei fã de outro conceito, criado durante a Segunda Guerra Mundial.

Os ingleses eram bombardeados pelos alemães o dia inteiro, a noite inteira. Ninguém dormia com o som das bombas e dos V2, primeiros mísseis da história. A comida era racionada e faltava de tudo, até pão e água. A capital da Inglaterra estava em ruínas.

No meio de tudo isso o governo criou cartazes inspirados na resiliência da Rainha Elizabeth, que se recusou a deixar Londres e ir para o interior. onde ficaria segura: "Keep Calm and Carry On". Ou "fique calmo e siga em frente".

Posted by at 9:48 PM
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