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04/05/20
Crise pode salvar o varejo local
Quando surgiu, disseram que ela ia acabar com os jornais, rádios, tevês... nada disso aconteceu. Os jornais passaram a atuar online sem perder sua essencia e a internet, ao invés de prejudicar, reforçou o poder do rádio, com atuação local mas abrindo um canal onde o ouvinte também está, além de ampliar seu alcance de local para mundial.
No comércio pode acontecer o mesmo, apesar do atraso enorme. O corona tem potencial para reforçar o varejo local por forçá-lo a adotar a venda online, sob pressão, coisa que o lojista tradicional reluta em fazer desde que o planeta se tornou online. Nestes 20 anos, ele perdeu mais da metade das vendas para as grandes e pequenas lojas online.
Muitas das pequenas se tornaram grandes comendo a fatia do comércio local graças à facilidade de compra pela internet e a cegueira dos donos de lojas físicas. Ao contrário de jornais e rádios, que correram para ocupar seu espaço na rede e, por isso, continuam dominando a audiêcia local, o comércio se recusou a enxergar a mudança.
Faço aqui um paralelo com uma esquisitice que vi nos anos 90, nos Estados Unidos. Fui convidado pela T.M. Express para explicar aos radialistas americanos como aproveitava o material da empresa, que lá era subutilizado. Além da palestra, para vários grupos pequenos, visitei algumas emissoras de Los Angeles e me surpreendi.
O ano era 1995 e a Morena FM usava, há 5 anos, músicas exclusivamente digitais na programação e todos os seus comerciais também eram digitais, há 4 anos. Ao vistiar o estúdio da Kiss FM, então a maior emissora da California, me deparei com casseteiras. Eram equipamentos para tocar as músicas e comerciais em fitas cassette, analógicas.
Meu espanto foi enorme. Os EUA tinham equipamentos digitais para rádio desde 1990 e eu mesmo usava os importados de lá na Morena FM. Todos os americanos já tinha toca-CD em carros e em casa. Então, por que as rádios usavam aquela tecnologia obsoleta?
Os locutores me disseram que não era por dificuldade de adequação, já que todos eles usavam CD em casa e no carro. Falta de dinheiro também não era problema, muito menos dificuldade de encontrar equipamentos adequados. Então, por que os estúdios ainda eram analógicos?
A resposta veio do diretor da emissora e mostra bem a mentalidade comercial dos americanos, aplicada em todos os segmentos: "a audiência e o faturamento até hoje está dentro do previsto, logo, não há nenhum motivo para mudar os equipamentos". A cabeça do lojista físico no Brasil é parecida.
A diferença é que nada continua como o previsto. Desde o aparecimento das primeiras lojas online o comerciante local vem perdendo, todo dia, toda hora, toda semana, boa parte de suas vendas para o e-commerce. Nem dá para calcular quanto cada loja perdeu nestes 20 anos. Mas é uma enormidade.
Há duas décadas o lojista já devia ter seguido a mídia e montado um site vendendo para a própria cidade, porque é o que o consumidor quer. Ele cansou de trocar de roupa, pegar carro ou ônibus, entrar em várias lojas, enfrentar vendedor chato ou ser ignorado, ficar na fila do caixa, voltar para casa, trocar a roupa de novo... para comprar um sapato.
Ou uma geladeira, uma camisa, um mouse, material de escritório, livros, celular, tevê, qualquer coisa. Há mais de 20 anos ele prefere comprar de casa, em poucos minutos, e receber em casa. O ponto fraco do comércio online nacional é o prazo de entrega, único ponto forte que sobrou para o lojista local. Isso e o fato de que fazer compras pode também ser um passeio, especialmente em shoppings.
Somente agora, com a crise do coronavirus, ele entendeu o que devia ter feito há 20 anos. Mas está sendo obrigado a montar loja online às pressas, sem planejamento, sem estratégia. O preço a pagar depois que a crise passar pode ser alto, com um site de vendas estagnadas sem que as físicas se recuperem.
Hoje, montar uma loja online é fácil. Provedores como o Grapiuna.com possuem sistemas de loja online que o próprio dono pode instalar com poucos cliques. Depois de incluir os itens e personalizar o site, a manutenção é mínima. Além disso, todo o processo de pagamento é automatizado com PagSeguro, PayPal ou similares. O que realmente resta é administrar a entrega, em geral com motoboys ou carro da empresa.
Graças a essas facilidades, a associação de e-commerce ABComm estima que 80 mil novas lojas online tenham aparecido de março para cá, no rastro da quarentena e do fechamento do comércio local. Aqui em Itabuna (BA), onde moro, observei várias lojas físicas ganhando canais digitais "nas coxas" para diminuir o prejuízo.
É um bom começo, desde que os lojistas entendam que as vendas online durante a crise só vão se sustentar depois dela se o serviço for bem feito. Dou aqui dois exemplos de lojas físicas de Itabuna que montaram um canal online com qualidade, rapidez, conforto e eficiência.
Um é o de O Boticário, que montou correndo um canal de vendas via WhatsApp do jeito certo, faturando bem para o Dia das Mães. O processo é rápido e a entrega no mesmo dia. Outro é a Papel Pautado, com um site eficiente desde 2017, de navegação confortável, boa variedade de itens, compra rápida e fácil, entrega em uma hora ou quase isso.
São dois exemplos a ser seguidos e que têm qualidade para se manter como canal importante de vendas depois que o comércio for reaberto. A única coisa que falta a eles é divulgação de massa, como no rádio, o meio mais eficiente para promover vendas localmente. Mas fica um alerta.
O rádio é um canhão, que não pode ser usado para matar uma barata. Voce só deve anunciar nele depois de ter certeza de que consegue atender bem a demanda que será gerada por sua propaganda. Se não tem certeza, primeiro reforçe estoque, pessoal e sistema de entrega, para só depois anunciar.