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24/10/20
Um crime quase impune
Em 2006, contei na Carta ao Leitor como um dos crimes mais bárbaros do sul da Bahia poderia ter passado incólume, sem ser notado por ninguém. Começava assim:
No final de semana passado recebi ligação sobre um jovem que, depois de espancado por Marcos Gomes e seus amigos na Fazenda Redenção, sumiu. Sem saber se era real, passei o caso ao delegado Nelis Araújo, que então começou a investigar a denúncia.
É claro que sabemos mais do que noticiamos aqui, mas é preciso preservar investigações que ainda estão em curso. A Região tem entre seus princípios o de que nenhum "furo" é mais importante que ajudar no trabalho da polícia, por isso esperamos o fim de toda a investigação para noticiar.
Porém, testemunhas nos disseram que viram o filho do prefeito Gomes dar uma surra no jovem, que estava amarrado. Logo depois ele sumiu e seu corpo ainda não foi encontrado. Mas será. Durante a semana ligações nervosas cruzaram a região, políticos entraram no circuito...
Um movimento que mostra o tamanho da bronca que Nelis enfrenta. Neste sábado, publicamos o que não comprometia o trabalho da polícia, porém A Tarde noticiou outros detalhes, que tínhamos desde a terça e preservávamos a pedido da polícia.
Como o jornal de Salvador publicou, também o fazemos aqui na edição online. Porém as muitas outras informações que temos e que ainda não foram divulgadas continuarão preservadas por A Região até que a polícia as libere ou um jornal publique.
Acompanhamos a investigação e confiamos no delegado Nélis Araujo e sua equipe. Mas, se o delegado sucumbir às várias pressões, não tenha dúvida.
Vamos revelar tudo o que nós já apuramos e sabemos. Este foi o primeiro texto sobre o caso, mas vale detalhar um pouco o que foi resumido naquela época.
Quando Nélis começou a investigar, nós, eu e a jornalista Neandra Pina, iniciamos nossa própria apuração dos fatos. Ao longo de um mês, Nélis fez um trabalho fantástico, digno dos melhores detetives do cinema.
Ele descobriu que existia um esquema, envolvendo uma delegada de outra cidade, que encerraria o caso como morte de um indigente.
Nélis percebeu, apurou e descobriu o corpo enterrado ao lado da rodovia entre Floresta Azul e Itapetinga. Descobriu a Saveiro que transportou o corpo e quem ajudou a enterrar.
A burrice de Marcos foi amarrar o vaqueiro com arreios que tinham a marca do Haras Redenção, onde foi torturado, preso por dois dias, e morto. Uma prova irrefutável.
Intimado a depor, Marcos Gomes, valente contra alguém que estava amarrado, desabou na frente dos delegados Nélis, Evy Paternostro e Marlos Macêdo, diante das provas. Tremeu, gaguejou, quase passou mal. Saiu de lá escoltado por seguranças, ao lado do advogado Carlos Burgos, sem falar com a imprensa.
Na exumação do corpo, o azar estava contra Marcos de novo, porque o vaqueiro, que tinha sido espancado até ficar irreconhecível, usava a pulseira dada pela irmã, que desabou ao reconhecer o irmão na massa de carne e sangue.
Mais de 30 testemunhas confirmaram o que foi apurado. Uma cena bizarra aconteceu quando os delegados foram cumprir um mandado de busca na casa de Marcos Gomes.
Ele achou que ia ser preso naquele momento, pulou o muro de trás da mansão e saiu correndo pelo mato.
O caso só foi adiante, sob pressão política dos amigos do então prefeito Fernando, graças à integridade dos delegados e o destemor da juíza de Ibicaraí, Ana Cláudia de Jesus Souza, que emitiu os mandatos.
Na mansão, mais duas surpresas. A polícia encontrou uma carteira falsa de policial, assinada pelo então secretário de Segurança Pública Afrísio Vieira Lima, pai de Geddel.
A outra foi a descoberta de outro crime, furto de água ("gato") de grandes proporções. Com tudo isso, ninguém tinha esperança de ver o homicida preso, pela facilidade em ser "invisível" para a polícia.
Até esta terça-feira.