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13/06/22
Semente ruim dá árvore ruim
"É de pequeno que se torce o pepino", dizia uma de minhas avós. Nunca entendi o lance do pepino torto, mas seu sentido é claro. Todo adulto começa a ser formado na infância e o que ele vive nesta fase influencia todo o resto. Nunca duvidei disso e tive sorte na minha.
Tive uma infância cercada de gibis e livros infantis, o que me tornou um leitor ávido e um acumulador de conhecimento. Não éramos ricos, por isso tive a sorte de "inventar" muitos brinquedos. Um dos meu favoritos era o submarino feito com embalagem de Q-Boa.
Outro era usar velas de carro como "canhões" em cima de um tanque de guerra também feito com aquela embalagem ou uma lata de óleo. Isso soltou minha imaginação, alimentou a criatividade e a capacidade de encontrar soluções onde não existe nenhuma aparente .
No século seguinte virei pai e consegui dar a minha filha uma educação de pré-escola fantástica na brinquedoteca Keka, de "tia Márcia", que preparou ela para a vida, ajudou a formar caráter, iniciativa, amor às artes e à leitura, criatividade e trabalho em grupo.
Junto com a escola Arco Íris, de "tia Suzane" e a Clave de Sol, de "tia Mariângela", Kira teve a melhor educação que alguém pode querer na minha cidade, Itabuna, tão boa quanto as melhores das capitais. Ela deu sorte. Podia ter acabado numa das escolas que deformam ao invés de formar.
Um estudo da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV) em 1.800 escolas de 12 cidades, mostrou que ainda existem armadilhas na educação infantil. Foram 3.467 turmas, 1.683 de creche e 1.784 de pré-escola, em 1.807 escolas municipais. E o resultado preocupa.
Somente 10% das turmas dão às crianças acesso livre aos livros. Mais da metade delas não tem qualquer tipo de atividade de leitura ou contação de histórias. Os livros estão lá, mas é como se não existissem. São apenas enfeites na parede e ítens do orçamento.
Como uma criança pode se desenvolver sem ler? Como pode entrar no mundo da imaginação para vivenciar experiências, histórias, exemplos que preparam para a vida, conhecimento? Criança que não lê, não escreve ou escreve mal. E entende pior ainda.
Crescem para virar adultos incapazes de analisar uma situação a fundo, de entender as consequencias, por exemplo, da corrupção desenfreada do PT entre 2003 e 2016. Não sabem como identificar e evitar perigos. Não entendem o telejornal, não tem cultura.
O estudo mostra outro problema grave. Cerca de 67% das turmas não tinham nenhuma experiencia com a natureza. Nada. Crianças de zona urbana que nunca viram uma galinha ou um boi, nunca pisaram em lama e grama, nunca entraram num rio, comeram uma fruta no pé.
Em 27% das turmas as crianças também não tinham atividades com teatro, música ou dança. Aqui se mata a sensibilidade e o bom gosto. Música, teatro, dança, são fundamentais para o equilíbrio emocional e físico, ajudam na coordenação motora, tiram a inibição, ensinam qualidade.
O relatório do estudo lembra que "a educação infantil é uma das etapas mais importantes da educação justamente porque é quando se constroem alicerces para o desenvolvimento do ser humano, tanto em termos pedagógicos, cognitivos, quanto das relações emocionais e sociais".
A educação infantil é uma semente. Se for boa, dá árvore boa. Se for ruim, dá erva daninha. Ela devia ser federalizada para ter um padrão de qualidade, aliado à inclusão de temas e cultura próprios do município, para que seja completa.
Já passou da hora de deixar de lado a tara por universidades, que hoje se tornaram tão banais que um diploma não significa mais nada, não garante conhecimento nem competência. É hora de olhar para o início de tudo, para a educação infantil. E construir o futuro a partir dela.