Enterrando a história
O Brasil vai comemorar 500 anos de história enterrando solenemente a própria história.
Os índios Pataxós, descendentes daqueles que avistaram a nau do invasor em 1500, estão sendo expulsos de sua aldeia para dar lugar ao museu do branco, o Mape.
A empreiteira que constrói o Museu Aberto do Descobrimento obrigou os indios a sair do local sem dar a eles as prometidas casas que substituiriam seus lares.
Os Pataxós foram obrigados a se amontoar nas casas dos parentes e amigos de outras aldeias, humilhados e tratados como párias de uma festa que, por direito, é sua.
A típica aldeia será derrubada e em seu lugar o turista passará a encontrar uma daquelas obras "monumentais" dignas da era militar, onde tudo tinha que ser grande.
A tradicional cruz de madeira de lei que marca o local da primeira missa em Santa Cruz Cabrália será derrubada para a instalação de um monstrengo de aço, material que sequer existia na época.
Monstrengo não por sua qualidade plástica, já que o autor Mário Cravo Neto tem talento de sobra. Monstrengo porque não vai evocar nada na mente dos visitantes e por descaracterizar o ambiente local.
Esta descaracterização começou com a instalação dos famigerados "relógios da Globo" em Porto Seguro e Salvador. Eles nada têm a ver com os locais e acabaram com a vista dos cartões postais.
Claro que tudo isto é feito para agradar a Globo, de olho na exposição mundial que suas imagens podem dar à Bahia e, principamente, ao grupo politico do cacique ACM.
Fosse na Europa autoridades, judiciário, povo e artistas teriam se levantado ferozmente para impedir que se enterre o pouco que resta de história no Brasil.
A mera sugestão de substituir, digamos, a torre inclinada de Pisa por outra moderna ou instalar o "relógio da Globo" ao pé da Torre Eiffel geraria uma revolução.
Mas lá a história é algo para se preservar. Visitei monumentos construídos em 1020, consultei documentos dos anos 1200, vi marcos da época da invasão romana à Inglaterra, antes de Cristo, preservadas em York.
Aqui os vândalos sentam em cadeiras de couro em Brasilia, seu vandalismo é protegido por juizes que não julgam e uma imprensa que, salvo exceções, preferem o dinheiro da propaganda gerada pelos 500 anos do que criticar o vandalismo.
Não vou me surpreender se de repente quiserem derrubar os casarões coloniais de Porto Seguro para dar lugar a algum projeto indecente de "modernização."
Os Pataxós, expulsos de suas terras há anos com a conivência de juizes corruptos e governantes omissos, agora são igualmente expulsos de sua aldeia e de sua festa. Festa?
Ainda não entendi por que comemorar os 500 anos de uma invasão que roubou nossas matérias primas, matou nossos habitantes e impõs uma cultura.
Os índios de 1500 foram escravizados, catequizados, assassinados, roubados e expulsos de suas terras. Sua vida pacífica foi transformada em pesadelo, suas mulheres estupradas pelo invasor.
Nos primeiros 300 destes anos todas as nossas riquezas foram enviadas a Portugal, que usou nossa madeira, ouro e pedras preciosas para manter os luxos de sua corte.
Depois vieram a escravidão e a implantação de uma cultura econômica e politica que gerou a pior distribuição de renda do mundo.
O Brasil teve muitas conquistas nestes 500 anos, virou uma potência menor, influenciou boa parte do mundo com sua música, idéias, literatura, arte e ciência.
Mas, no fundo, no fundo, continuamos agindo como colonizadores de nós mesmos.
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